A pedido do MERCOSUL, a Corte Interamericana determina o limiar de proteção às crianças migrantes

01 de dezembro de 2014

Nota de difusão elaborada pelo IPPDH sobre a Parecer Consultivo (OC) N° 21 “Direitos e garantias de crianças no contexto da migração e/ou em necessidade de proteção”.Nota de difusão elaborada pelo IPPDH sobre a Parecer Consultivo (OC) N° 21 “Direitos e garantias de crianças no contexto da migração e/ou em necessidade de proteção”.

O Parecer Consultivo (OC) N° 21 “Direitos e garantias de crianças no contexto da migração e/ou em necessidade de proteção” é o resultado de uma experiência inédita: pela primeira vez quatro Estados – Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai – se apresentaram ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos com uma posição comum sobre um assunto de fundamental transcendência para a proteção dos direitos humanos na região. Os quatro países do Cone Sul levaram adiante uma proposta que, com os resultados à vista, terá implicações em toda a região americana – do extremo norte ao extremo sul – quanto ao melhoramento da situação das crianças migrantes.

Os méritos do Parecer Consultivo não se baseiam apenas na força política de ser uma iniciativa coordenada entre os países do MERCOSUL e que funcionou como âmbito de articulação de políticas, mas também no amplo processo de discussão que antecedeu o pronunciamento final da Corte Interamericana (Corte IDH). Desse processo, participaram governos, organizações sociais e agências internacionais de promoção de direitos humanos.

Os governos do MERCOSUL apresentaram posições de vanguarda em relação aos direitos dos migrantes e promoveram uma abordagem de direitos humanos das políticas migratórias que contrasta com outros modelos de política migratória vigentes em alguns países centrais. O Parecer Consultivo é fundamental, principalmente pelas diretrizes inovadoras que a Corte IDH determina para definir e ampliar o alcance dos direitos das crianças migrantes. Definições e termos precisos sobre problemáticas como a identificação dos riscos enfrentados pelas crianças migrantes, a proibição de detenção, a conceituação da vida familiar em situação migrante, o princípio de não devolução e a precisão das situações que exigem ativar mecanismos de proteção internacional são apenas alguns dos avanços contidos nesse documento. A Organização dos Estados Americanos (OEA) parabenizou o MERCOSUL e qualificou “o documento emitido pela Corte como ‘apropriado’, dados os desafios que enfrentamos atualmente nesse tema”. Reiterou “a relevância, a aplicabilidade e a ‘visão de futuro’ contida no mesmo”, em total sintonia com a declaração celebratória da ACNUR.

A ideia de elaborar um pedido de parecer consultivo sobre os direitos das crianças e adolescentes migrantes de parte do MERCOSUL surgiu da grave situação de violação de direitos que atravessa esse grupo que migra por motivos econômicos, culturais ou políticos no continente. Segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) das Nações Unidas, nessa região cerca de 26 milhões de pessoas migraram para países da América do Norte e da Europa, e outros seis milhões migraram a outros países dentro da região, distribuídos entre a Argentina (19%), a Venezuela (13%), o México (9,7%) e o Brasil (9,19%).

Desses totais, há uma quantidade crescente, apesar ainda inestimável, de crianças e adolescentes que migram em companhia de seus pais – ambos ou apenas um – ou simplesmente sozinhos. No entanto, as crianças afetadas pela migração internacional são um número ainda mais elevado, já que não são contabilizados, por exemplo, muitos filhos e filhas de migrantes nascidos posteriormente à migração de seus pais, que de modo geral adquirem a nacionalidade do país onde nasceram pelo princípio de ius soli, que rege em quase toda a região. Também não são incluídos os que permanecem no país de origem quando seus pais decidem migrar. É por isso que a quantidade exata de crianças e adolescentes cujas vidas cotidianas são afetadas pelos processos migratórios ainda é um dado incerto.

A atualidade desse problema é vista claramente na crise humanitária vivida na região da fronteira sul dos Estados Unidos com o México, epicentro de um fluxo crescente de pessoas indocumentadas, entre as quais se encontram milhares de crianças não acompanhadas procedentes de países da América Central. Entre 1 de janeiro e 31 de maio de 2014, a Patrulha Fronteiriça dos Estados Unidos deteve o número recorde de 47.017 crianças migrantes não acompanhadas em situação migratória irregular, e estima-se a chegada de outros 90.000 durante o resto de 2014. Em julho deste ano, os países do MERCOSUL emitiram um comunicado em consonância com o pedido no qual manifestavam sua profunda preocupação pela deten ção de crianças e adolescentes migrantes não acompanhados na fronteira sul dos Estados Unidos, exigindo o respeito irrestrito de seus direitos fundamentais.

De acordo com uma recente pesquisa publicada pelo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), intitulado “Children on the run”, algumas das causas que estariam provocando esse deslocamento em massa de crianças seriam: as condições extremas de pobreza nos países de origem e a falta de oportunidades de trabalho; a reunificação familiar; violência exercida por atores armados do crime organizado, tais como cartéis do narcotráfico e gangues; violência doméstica; violência de gênero e; recrutamento forçado pelas redes de tráfico de pessoas e de trabalho infantil que operam nas rotas e nos locais de destino. O caminho que essas crianças empreendem é, na maioria dos casos, por rotas clandestinas nas quais são expostas a diversas situações de vulneração de seus direitos fundamentais.

Nesse contexto, o pronunciamento da Corte IDH se torna essencial para definir um piso mínimo de obrigações dos Estados de origem, trânsito e destino que garantam a proteção dos direitos das crianças migrantes. Como sustentado pelo ACNUR em um comunicado em comemoração do OC, e como veremos adiante, “este documento vinculante da Corte Interamericana complementa e fortalece os esforços dos Estados, do próprio ACNUR e de outros organismos especializados, bem como da sociedade civil, por avançar em uma agenda regional comum de proteção das pessoas refugiadas, solicitantes de asilo, apátridas e deslocadas internas”.

Em uma série de depoimentos de especialistas coletados pelo Instituto de Políticas Públicas em Direitos Humanos do MERCOSUL (IPPDH), Diego Lorente, diretor do Centro de Direitos Humanos Fray Matías de Córdova, de Chiapas, México, manifestou que “no México, temos uma realidade de detenção de crianças, principalmente entre 13 e 17 anos. Detenção e deportação praticamente automática. Este OC poderia ajudar a esclarecer e a ditar disposições que permitam que a situação melhore”.

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Projeto financiado com recursos do Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL
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